domingo, 7 de dezembro de 2025

A tuberculose e o câncer bem além das montanhas


                                                                                       A montanha era a última forma antes do fim de tudo o que existia,

recortada no horizonte, corpo enorme que observava o mundo.

José Luis Peixoto, em: A Montanha


Para quem viaja por estrada, o horizonte finda na montanha. Dalí não se enxerga além. E a montanha assiste-nos do cume. É a metáfora de José Luis Peixoto em seu novo livro “A montanha”, sendo o cancro o pano de fundo da narrativa. 

Não é a escatologia em si, tampouco o estertor da última arfada, mas a leitura pode ser refletida na morte de João, um dos personagens, por câncer. É a relação montanha e cancro passado para o papel, pois a vida fora do livro, passa para dentro do livro.

É sabido que cancro, na língua portuguesa, usa-se em Portugal, enquanto câncer pertence ao brasileiro, embora tenham significado e peso no mesmo calibre.

É grafado da mesma forma em inglês, mas pronunciado com a língua meio “endobrada”, escreveria Guimarães Rosa. Em francês se diz "le cancer", como em "cancer du poumon", mas com língua re-endobrada, diria o tradutor – se é que existe - de Rosa.

Mas tuberculose não. É a mesma grafia. No passado, "tísica", hoje tuberculose, mas ainda ceifa muitos. No passado levou para o subsolo os poetas e alvejou o pulmão de Simon Bolívar, no relato libertário (ou literário) de Gabriel Garcia Márquez.

O fato é que tuberculose e câncer já se emboletam a medicina há algum tempo, assim como a literatura. Revendo essas duas, parece até que entre elas o trajeto é oval, ou seja: as duas correm em sentidos opostos para não se cruzarem à frente, lembrando o modelo atômico de Bohr: uma procura se esquivar da outra com os ombros, mas vez por outra se cruzam, soltam faíscas e escalavram nossas vivências.

Daí vem o José Luiz Peixoto, expoente da literatura camoniana, a me relembrar Aleksandr Solzhenitsyn, ganhador de Nobel em “Pavilhão dos Cancerosos”. Li-o na íntegra para entender a história social do câncer . Fez-me sofrer. Peixoto, não. Peixoto se veste de encarnado e verde - Pessoa, Camões, de Sophia de Mello -,  para falar sobre o cancro, enquanto o russo se vestiu de russo - de Maiakovski a Pushkin, ambos assassinados de forma vil, sangrando as artérias da poesia mundial, deixando-nos sem pulmões.

O mais intenso vem agora: é amigo do Gonçalo Paupério, cirurgião torácico do Instituto Português de Oncologia (IPO-Porto), sujeito oculto do romance. Paupério presenteou-me o romance. Ele que tantas vezes me recebeu no IPO-Porto, quando morei com meus filhos lá pelo norte de Portugal, permitiu-me ser amigo do José Luis Peixoto, mesmo sem ele saber. Isso pouco importa, pois Gonçalo me autorizou a dizer na pela capa autografada.

Dane-se, Galveias, cidade de Peixoto, mas eu sou parecido com aquele estranho homem que Alice, em “A Montanha”, procurou saber: “provável comedor de pato no tucupi, tacacá e maniçoba”, na 107.

        Em cada página lida via a equipe de cirurgia torácica nas visitas e no centro cirúrgico tratando com sabedoria os cânceres de pulmão, mas também passava pelas minhas retinas o russo Solzhenitsyn

E a tuberculose? Não gostaria de invadir o terreno de “A Montanha”, mas se Peixoto visitasse nosso sanatório, aqui na porta da Amazônia, é provável que adquirisse as alucinações de escritores para transformar nossos bacilos em personagens de literatura, tal como Thomas Mann fez em outra montanha, “A montanha Mágica”, na cidade de Davos,  amesma que virou centro de encontro mundial de economia, e que deixou a alma penada de Hans Castorp e sua pneumostomia soprante, rondando em torno dos que ditam as finanças do mundo. Aqui em Belém, no máximo o bacilo se tornou, recentemente, centro mundial de discussão sobre o clima (COP30).

E se Peixoto não puder vir ao nosso ex-sanatório, que envie Bjorn Alepson, seu personagem predileto, para se deliciar com a desventura da arte de escrever com o pendor da hemoptise, já que Saramago e José Régio se foram sem nos avisar, deixando apenas Manuel Bandeira em seu “Pneumotórax” para transformar a voz de Mann numa espécie de resgate da arte, que tem em sua veia a história de duas doenças cavernosas e desafiantes para os médicos.

Vale relembrar a Bjorn que não temos montanhas. Aqui é plano e pleno e, no infinito ainda se vê floresta (antes que acabem), pois se a vida está fora do livro, também está dentro do livro.


quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Mar e rio bem além de nossas expectativas


 “Febre do Mar” é a minha “doença”! 
Aluísio Meira em: "No mar.. veremos"


         Mergulhando profundamente em “Blue Mind”, do estadunidense Wallace Nichols (sem tradução para a língua camoniana), resolvi dedicar alguns excertos aos Eskizitos, grupo de motonautas que aos sábados se encontram para verdadeiramente se enveredarem por rios e furos que circundam parte de Belém. É liderado pelo navegador Aluisio Meira, um cartógrafo da Amazônia que nas horas vagas exerce a advocacia.

No livro, a Outdoor Industry Association cita que 1,24 milhão de pessoas experimentaram o stand-up paddle (SUP). As vendas de pranchas de SUP logo dobraram entre 2010 e 2011, quando explodiu a prática. Embora o SUP tenha se tornado uma febre fitness apenas na última década, na verdade, é a forma mais antiga e básica de embarcação. Nossos ancestrais usavam barcos para viajar de ilha em ilha no sudeste asiático e depois para a Austrália, há mais de 50.000 anos. É claro que, hoje em dia, a maioria das atividades náuticas, desde embarcações autopropulsionadas, jet skis, lanchas e iates motorizados que exigem tripulações, têm menos a ver com transporte e mais com o prazer de aproveitar a água. 

Se você conversar com praticantes sobre os motivos que os levaram a escolher esse esporte, ouvirá algumas das mesmas razões que pescadores e surfistas: a oportunidade de estar na água de forma muito íntima. Os que usam embarcações sem motor também exaltam os benefícios para a saúde, o exercício cardiovascular, o fortalecimento muscular da parte superior do corpo ao remar por horas, além do estado meditativo que surge com as remadas rítmicas na água.

Nichols reforça que, motorizado ou não, os praticantes têm a chance de se desligar de tudo, mergulhar nas paisagens, sons e nas sensações da água em que se encontra, assim como desfrutar do ar fresco.

Com veleiros maiores e outras embarcações que exigem mais de uma pessoa, sabe-se do trabalho em equipe, confiança e aventura compartilhada. A combinação de ganhar autoconfiança enquanto se trabalha em equipe é valiosa para jovens com problemas de saúde mental e coordenação motora. 

Hoje, programas em todo o mundo utilizam embarcações como terapia de reabilitação para pessoas com deficiências físicas (incluindo paralisia, cegueira, surdez e amputação); deficiências de desenvolvimento como TDAH, autismo e síndrome de Down; pessoas com lesão cerebral traumática (LCT) e outras lesões; bem como pessoas que sofreram traumas emocionais. Em Newport, Rhode Island, e Nantucket, Massachusetts, a Sail to Prevail possui uma frota de veleiros adaptados, nos quais mais de 1.500 pessoas com deficiência aprendem o básico da vela. As embarcações incluem um barco de regata da America's Cup acessível para pessoas com deficiência.

A Sail to Prevail relata melhorias significativas: 91% têm mais confiança, 90% sentem que aumentaram suas habilidades de trabalho em equipe e incríveis 99% dizem ter uma perspectiva mais positiva da vida. Sem dúvida, o super-hormônio neuroestimulante ocitocina está em ação durante essas experiências novas, agradáveis. Tais vivências refinam os instintos sociais do cérebro, preparando os participantes para o contato social, aprimorando a empatia e aumentando a disposição para ajudar e apoiar.

Claro que existem muitas outras maneiras de desenvolver o trabalho em equipe, mas o fator água adiciona uma potência notável ao esforço, uma espécie de "plus-a-mais" - esse neologismo poliglota para reforçar a ideia. O mesmo acontece com a qualidade que você ouve com frequência de velejadores de todos os tipos, quando descrevem sua razão para se aventurarem na água: a liberdade.

Em barco, ou mesmo no Jet ski cruzando os furos de Belém, você se sente como se fosse o mestre do seu destino, o capitão da sua alma, como se percebe nas entrelinhas de “No mar... veremos”, de Aluisio Meira, o líder dos Eskizitos... e doutor nas horas vagas.

domingo, 7 de setembro de 2025

Ao saudoso mestre... com louvor!

Geraldo Pereira foi aquele professor-primeiro que abriu a porta da sala de aula para muitos. Ele nos apresentou a tuberosidade tibial, que nos apontava para o fim da adolescência. Uma reviravolta estava sendo proposta a nós. 

A sociedade médica paraense respira fundo antes do ataúde ficar soterrado. Geraldo Pereira despediu-se de olhos fechados e nos deixou a lembrança do giz.

A corda rangia a cada centímetro da descida e a claridade pisa leve no sensorial daqueles que um dia receberam os seus ensinamentos. 

A fenda aberta na terra estala como fogo mordendo lenha. Toda a cidade ouvira aquele som agudo, como se o galho verde da goiabeira ao lado da cerimônia final houvesse fraturado.

O professor envelhecido, com os olhos recolhidos e sem lágrimas, recolhe as nossas para umedecer o próprio passado. 

Pareceu-nos voltar a balbuciar segredos de como se examina o epicôndilo medial. 

Pareceu-nos sorrir o sorriso magnetizado pela alegria de viver. 

Pede que se guarde as anotações mais importantes para o exercício da profissão: retratos desse passado, anotações de rodapé, grifos que se enredam na paisagem do amanhã.

Há uma ameaça de chuva que não ocorre de fora pra dentro, apenas pelos nossos veios lacrimais.

Os livros pesados que usamos tornaram-se mais leves após cada traço de ensinamento. 

A cidade murmura ao longe o fim telúrico do mestre, ao arrastar o último passo antes de caminhar para a partida. 

Ele estudou a natureza íntima da academia, e a delicadeza do que sobra quando a voz enrouquecida se pronuncia: “pega esse pra adoçar a tua vida”.

A mão, que um dia acalentou as páginas de anatomia, agora segura o copo e bebe o cálice da salvação. 

E o copo de alumínio combina coma cor do bule para o último gole do cafezinho, agora amargo. 

A minha cena descrita pede discrição. Estou alhures, mas com olhares diluviando. 

A horizontal do professor se deslocada mais um pouco para baixo e a terra recolhe o pequeno corpo deformado pela conversão cirúrgica - certas idades não permitem trancos e incisões que ultrapassem o tamanho daquele homem.

Não vim aqui para explicar nada, mas para iluminar o pano de fundo que deixou vazio nossas salas de aulas; meu caderno de anatomia branquejou.

Ao longo da estada, Geraldo, meio-xará, tornou-se um atlas da aventura humana. 

Foi acolhido por seus alunos até a última arfada e por sua família afável, que guarda saber cifrado na melodia da generosidade.

Vieram muitos títulos, mas o que ficou foi a densa marca daquele professor que nos ensinou a sonhar na hora de receber o grau para subir os degraus daquela escadaria da Paz.

Obrigado, professor Geraldo Pereira.

terça-feira, 2 de setembro de 2025

Esta nova cirurgia do câncer de pulmão... Que venha!

                                                     Immediately after [1967], a number of other crucial discoveries

that would set the stage for the advent of cancer immunotherapy

were made in rapid-fire succession

William K Decker e cols, 2017.


Cada vez mais operamos casos pós-imunoterapia. É o novo normal do câncer pulmonar avançado. Já com vários-alguns casos de lobectomias e uma única segmentectomia anatômica (reserva funcional limitada), juntadas aos relatos de vários cirurgiões brasileiros, penso ser hora de descansar o bisturi por uma noite, armar a caneta de ideias e pedir uma folha em branco para expor essa nova leitura da cirurgia torácica, alcunhada de cirurgia de resgate (em inglês: salvage ou rescue com teores diferentes)

A começar pelo Atlas de cirurgia pós-imunoterapia em câncer de pulmão, coordenado por Paula Ugalde (Harvard) e Ricardo Terra (USP), recém-lançado. O livro nos catapulta para uma floresta carregada de novos fármacos e ensaios. Não são desafios mirrados, mas também não são obstáculos instransponíveis pela cirurgia. O título poderia ser “Provocações da cirurgia pós-imunoterapia...” 

O resultado dessa nova abordagem cirúrgica anima, principalmente pela exequibilidade da via minimamente invasiva, em que pese a intensa doença inflamatória residual ocasionada pelo encolhimento do tumor. Não se compara com as operações da sequelas da tuberculose, mas deve haver mais alerta à dissecção dos planos anatômicos.

Esse avanço dá maior perspectiva de vida a cada paciente com doença localmente avançada - mais de 70% dos casos. Não só isso, mas também dá respiro à própria medicina em seu aperto de mão com a oncologia, cujo tratamento de outrora nos nauseou por longas décadas. Quem já leu Pavilhão dos Cancerosos, do premiado russo Aleksandr Solzhenitsyn sabe do assunto. Naquela pós-virada de século, o campo emergente da oncologia optou pela abordagem direta ao tumor, mas citotóxica.  

Hoje, quase 120 anos depois, estabelece-se que, mesmo os melhores regimes químicos, raramente curam/controlam a malignidade avançadas. A virada foi graças a estratégias modernas que suplementam e aumentam as respostas imunes antitumorais e oferecem maiores oportunidades para potencializar a remissão duradoura do câncer. Isso passou a ser desanuviamento no peito dos desesperançosos cirurgiões.

Com a ampla aceitação desses novos paradigmas, a capacidade do sistema imunológico de reconhecer e combater o câncer, que foi tópico altamente controverso durante grande parte do século XX, hoje pede revanche para dar fôlego à humanidade.

Mas coisa não caminhou a pari passu com a quimioterapia. Foi uma trovejada desde 2017, com o estudo Pacific. Qualquer cirurgião que tenha montado no seu SpaceX e viajado para outro planeta por alguns anos, ao tentar aterrissar no campo operatório, certamente tomará um susto ao tentar entender essa letraria do novo léxico oncológico.

Esse pilar paradigmático moderno permaneceu duvidoso e controverso por longo período. Por quê? É merecendente de discussão franca, mas nada que uma releitura mais otimista faça-nos entender que a genética, trancafiada nos jardins de Mendel, teve que se converter em genômica e romper as cercas para alcançar o núcleo médico e nos encantar. Foi o pó do pirlimpimpim que os biólogos nos proporcionaram!

A literatura médica todos os dias tem espasmos e parteja novidades com ensaios decisivos que nos levam à aceitação da imunoterapia e outras terapias como regime viável para o tratamento das neoplasias. A última boa-nova é o tratamento peri-operatório (imunoterapia+Qt/cirurgia/imunoterapia) que acaba de ser aprovado pela ANVISA. É o "Durva" novamente - tomo emprestado a intimidade dos oncologista para com o Durvalumabe. 

São marcos de randomizações e os modelos críticos de laboratórios, cuja soma amplia nossa compreensão da biologia do câncer e da imunologia tumoral. Permite-nos avaliação mais rápida da eficácia e segurança de novas abordagens e, em última análise, fornece banco de dados mais rápido para a transição, em que a cirurgia é parte dessa virada, assim como ocorre na tuberculose multirresistente (vale ressaltar que parte do tratamento da TBMR, assim como da falência do tratamento das micobacterioses não tuberculosas valem-se do que se outorgou hoje como tratamento peri-operatório usado no câncer).

Então continuemos enfrentando essa nova cirurgia como "resgate" da velha tísica. Só assim olhamos para esse presente sem desaquecer o passado, onde tudo começou.

Bibliografia consultada

Van Breussegem A., Hendriks J. M., Lauwers P., and Van Schil P. E., “Salvage Surgery After High‐Dose Radiotherapy,” Journal of Thoracic Disease 9, no. S3 (2017): S193–S200

Beatrice Leonardi , Gaetana Messina , Giuseppe Vicario, et al. Rescue Surgery for Advanced Stage Lung Cancer: A Systematic Review. Thorac Cancer. 2025 Aug;16(16):e70151.

William K DeckerRodrigo F da SilvaMayra H Sanabria. Cancer Immunotherapy: Historical Perspective of a Clinical Revolution and Emerging Preclinical Animal Models. Front Immunol. 2017 Aug 2;8:829.


domingo, 17 de agosto de 2025

Lung Cancer in Latin America: A Reflection on Advanced Cases

        A bookstore in the airport of Boston exposes the headline on its cover "The death doctors", which exposes euthanasia in Canada. I acquired it to read during the flight, back to Brazil.
        The Patient, in 2015, soon after supreme-court decision about euthanasia, had just been diagnosed with lung cancer, and while processing this fact in the parking lot of the clinic, turned to his wife and announced: “I'm not going to have cancer. I'm  going to kill myself.” His wife told her husband this was a bit dramatic: “You know, dear, you don't have to do that,” she recalls responding. “The government will do it for you, and they'll do it for free” He had marveled at the news, because although he was open to surgery, he had no interest in chemotherapy or radiation (the cancer had been spread to the brain) and the 72-year-old became largely bedridden. “ He scheduled his procedure for May 10 - the couple's wedding anniversary.
         "Cancer is a terrific disease. We need volunteers, not superheroes", as I said to Ugalde, a leading thoracic surgeon, in the hall of Brigham and Women’s Hospital in Boston, after a session discussing difficult lung cancer cases. She didn’t disagree. After listening and reflecting, she returned to the classroom with a coffee in her right hand - she loves coffee!
     "The Immersion Course on Comprehensive Lung Cancer Treatment and Surgical Innovation" was held at Harvard Medical School Teaching Hospital. Some 120 Latin Americans, most of them thoracic surgeons, had arrived for the annual event. There were lunch buffets, badges, and complimentary bags and surgical caps as souvenirs.
        The most important aspect was learning new technologies and concepts from experts in lung cancer treatment. After all, this allows us to reflect on one of medicine’s most important challenges. While there might have been other conventions around the world, Latin American thoracic surgeons are enthusiastic participants who pay close attention, because lung cancer is an important cause of death worldwide and facing advanced cases remains so challenging.
          The difference is that 10 years ago, what many of these surgeons do for work would have been considered merely an attempt, but nowadays we breathe hope. That is why many of us are at Harvard, interpreting a new era of genomics and immunobiological drugs, while facing each surgical indication when we return home.
        It is too soon to predict the future, whether it’s tomorrow or in the next 10 years, but it isn’t so far away when you add new drugs and new surgical techniques (VATS, RATS, ECMO, etc.). Leading this explanation, as I understand it, are Thomas D’Amico, Bernardo Park, Scott Swanson and Isabelle Opitz—all supported by Paula Ugalde, the team leader for Latin surgeons and an associate professor of thoracic surgery at Harvard Medical School and Brigham and Women’s Hospital.
        We know that lung cancer remains challenging due to its high mortality, but if we commit ourselves to scientific production in major medical centers, perhaps voluntarism will move forward and relegate the current limitations to a page in the past, especially in Latin America of these surgeons do for work would have been considered merely an attempt, but nowadays we breathe hope. That is why many of us are at Harvard, interpreting a new era of genomics and immunobiological drugs while facing each surgical indication when we return home.
          
           We know that lung cancer remains challenging due to its high mortality, but if we commit ourselves to scientific production in major medical centers, perhaps voluntarism will move forward and relegate the current limitations to a page in the past, especially in Latin America.


Roger Normando,
Professor de Cirurgia Torácica - Universidade Federal do Pará, Brasil.

quinta-feira, 24 de julho de 2025

Confessions on my dead skin

The crack, crack, crack of broken ribs 
with each chest compression greeted me 
at the door. The death clock had started

Paul Ruggiere, surgeon and writter, in: Confessions of a surgeon


    When I die, if my body doesn't putrefy immediately and still remains for a few hours under the equatorial sun, I will ask my children and my wife, accustomed to tattoos, to hire a good tattoo artist to ink in the middle of my chest the classic phrase by René Leriche: Every surgeon carries within himself a small cemetery, where from time to time he goes to pray – a place of bitterness and regret, where one must seek an explanation for his failures.

    May this phrase weigh on my chest like a cross of angelim-pedra wood, the same that every surgeon carries throughout his work, but remains unconfessed and circumspect. May it remain corrosive, marked with iron and fire, on raw flesh, since there will no longer be pain. Afterward, just lower the coffin and say the final prayer over the body.

    These granular confessions, sometimes thorny to those who lack nerve, don't lead me to think there's a flaw in our academic training, or some common deviation in surgical education. It's that the retinue of Ambroise Paré lives with their souls downcast, with bulging eyes in society since the times of Hammurabi.

    Let me explain. For many years of my life I worked in emergency rooms. I won many battles, but lost some. With each loss, a part of me went away. When I returned home to confess, I reflected on what I could have done better to save that young man who arrived with a gunshot wound in the middle of his lung, or at the edge of his heart. I confessed by leafing through books; I searched for the maneuver I didn't perform, looking at the tip of my shoe stained with drops of blood.

    It was many years in this routine, until one day the book by physician and historian Luis Mir fell into my lap: Civil War and Trauma – trauma in the sense of physical traumatism, urban violence. It was a gift from a friend. In that tome of almost a thousand pages I found the pearl I needed: Trauma forces surgeons to recover for medicine a more attentive dimension of human limitations, definitively abandoning any temptation or more hidden delirium of omnipotence. That was what I needed to read. I felt consoled and, if I carried some god beneath my skin, that stoic reading made me lose my omnipotence.

    I would also ask my family for a second tattoo. Now on my back. I would ask them to have this text by Mir printed there.

    When that young man left Marajó Island heading to the capital, searching for a solution to his bronchial tuberculosis, I immediately thought I was capable of correcting that idiosyncrasy with new concepts and techniques I master, not to mention the alliance with technology. I hit a brick wall. It was shards of wisdom in every direction. Few pieces remained of what I had learned from my masters and read from the greatest authors.

    That Saturday, upon arriving home, I sat before the bible, this kind of cemetery that Leriche proclaims, to confess this latest failure. My gaze shifted to Mir's book – right in front of me. I saw myself impassive, fragile and almost boneless. That syncopated reading welcomed my tears to that confession.

    The prayers of René Leriche and Luis Mir have significance for surgeons who confess on their knees, although we know that not all recognize themselves within them.

    They are words that adorn the silence.


Roger Normando - Professor of Thoracic Surgery, University of Pará.

quarta-feira, 16 de julho de 2025

Confissões sobre minha pele morta

                           The crack, crack, crack of broken ribs with each chest compression greeted me

at the door. The death clock had started

Paul Ruggiere, in: Confessions of a surgeon

  

Quando morrer, se meu corpo não putrefar de imediato e ainda permanecer algumas horas sob o sol do equador, vou pedir para meus filhos e minha esposa, acostumados com tatuagens, contratarem um bom tatuador para tinturar no meio do peito a clássica frase de René Leriche: “Todo cirurgião carrega consigo um pequeno cemitério, onde de tempos em tempos vai rezar – um lugar de amargura e arrependimentos, onde se deve buscar uma explicação para seus fracassos”.

Que essa frase pese no meu peito feito cruz de angelim-pedra, a mesma que todo cirurgião carrega ao longo de sua lida, mas segue inconfesso e circunspecto. Que fique corrosiva, marcada a ferro e fogo, em carne viva, já que não mais haverá dor. Depois é só descer o esquife e fazer a última oração de corpo presente.

Essas confissões granulares, por vezes espinhosas aos que não têm nervos, não me levam a achar que haja falha em nossa formação acadêmica, ou algum desvio na formação cirúrgica. É que o séquito de Ambroise Paré vive com suas almas acabrunhadas, com olho esbugalhado na sociedade, desde os tempos de Hamurábi.

Explico. Durante muitos anos de minha vida convivi em pronto-socorros. Ganhei muitas, mas perdi batalhas. Em cada perda um pouco de mim se ia. Quando voltava pra casa para me confessar, refletia sobre o que eu poderia ter feito de melhor para recuperar aquele jovem que chegou com um tiro no meio do pulmão, ou na beirada do coração. Eu me confessava folheando livros; procurava a manobra que não fiz, olhando para o bico do sapato manchado com gotas de sangue.

Foram muitos anos nessa pisada, até um dia cair em meu colo o livro do médico e historiador Luis Mir: Guerra civil e trauma – trauma no sentido de traumatismo físico, violência urbana. Foi presente de amigo. No calhamaço de quase mil páginas achei a pérola que precisava: O trauma obriga cirurgiões a recuperarem para a medicina uma dimensão mais atenta das limitações humanas, definitivamente abandonando qualquer tentação ou delírio mais oculto da onipotência. Era o que precisava ler. Senti-me consolado e, se carreguei algum deus debaixo da pele, aquela leitura estóica me fez perder a onipotência.

        Também pediria aos meus uma segunda tatuagem. Agora nas costas - que deixassem estampar esse texto do Mir.
      
    Quando aquele jovem abandonou a ilha do Marajó em direção à capital, na busca de uma solução para sua tuberculose brônquica, eu logo achei que fosse capaz de corrigir aquela idiossincrasia com novos conceitos e técnicas que domino, sem falar da aliança com a tecnologia. Dei com os burros na parede. Foi caco de sabedoria pra tudo que é lado. Sobraram poucos pedaços do que havia aprendido com os mestres e lido nos maiores autores.

Naquele sábado, ao chegar em casa, sentei-me à frente da bíblia, essa espécie de cemitério que Leriche apregoa, para confessar mais esse fracasso. O olhar se desviou para o livro de Mir – bem à minha frente. Vi-me impávido, frágil e quase desossado. Aquela leitura sincopada acolheu meu pranto àquela confissão.

As orações de René Leriche e Luis Mir têm representatividade para os cirurgiões que se confessam de joelhos, embora saibamos que nem todos se reconheçam dentro delas.

São palavras que adornam o silêncio.

sábado, 14 de junho de 2025

Concerns about cancer in Amazon: “better understanding it to better face it”


Por que Deus nos deu esse desviver? Diabo!

Dalcídio Jurandir, em: Chove nos campos de cachoeira, 1941.

Eutanázio is a character from "Chove nos campos de cachoeira" (It Rains in the Fields of Cachoeira) by Dalcídio Jurandir, a Brazilian writer born on Marajó Island and awarded the Machado de Assis Prize. Contradicting the meaning of his name, death without suffering, Eutanázio dies slowly. The paradoxical nature of the name refers to euthanasia, the act of causing someone's death to relieve suffering caused by an incurable or serious disease.

Considering that cancer is one of those diseases with high mortality, even in advanced centers, what can be said about a region where prevention is a challenge and access to treatment is difficult? Here along the riverbanks of the Amazon region, from where I write, having cancer seems more like digging one's own grave. From these thoughts springs another word: misthanasia, also known as social euthanasia or "miserable death," intimately linked to the lack of medical assistance. In this, society is complicit - including myself.

Based on this idea, with the objective of seeking ways to mitigate cancer's damage in the Amazon, a group linked to the Oncology Research Center (NPO) of the Federal University of Pará embarked on a boat, leaving Belém. They crossed the Guamá River and landed on Combu Island. Between May 23-25, 2025, at the Oncology 2025 Symposium, they debated cancer among Amazonians - those who live in the open forest under the protection of healers and Jurupari. National and international guests connected to oncology, including epidemiologists, doctors, and other professionals, embarked on the crossing and composed the discussion on day 1.

With COP30 knocking at Belém's door, and the world with eyes wide open on the Amazon, this cerebral group raised their unanimous voice to evaluate the most diverse obstacles among the most frequent types of cancer, with the main objective of prevention and evaluation of access to oncology reference centers. In other words, it's not enough to care for the forest; one must care for those who inhabit it and from it extract the porridge to savor with tamuatá fish.

Immersed in the forest, the guests felt the breath of the climate and the serpentine flow of the rivers to then understand how distant the homo amazonicus is from prevention and access to medical treatment.

Oncology 2025 extended to the Benedito Nunes Convention Center, still on the banks of the Guamá River, for two more days. It was an event subsidized by the Federal University of Pará under the baton of NPO, spanning from genetics to epidemiology and the sociology of cancer. With the motto better understanding it to better face it, they obtained support from the pharmaceutical industry and medical associations involved in the theme. The notable presence was of students from various areas and researchers in oncogenetics, plus clinicians and surgeons, and some foreigners, like Paul Mansfield from MD Anderson Cancer Center. An event to cleanse the organizers' souls in their quest to alleviate others' suffering.

It was an event for academia to open its gates and bring ideas to society and public authorities for a better Amazon, making the coexistence between environment and humans more balanced. From there will emerge a kind of dossier, according to the organization, that will be taken to public authorities to mitigate misthanasia.


In Dalcídio's novel, Eutanázio acquired an STD (Sexually Transmitted Disease). He sought a healer in vain hope of a cure that never came. Without access to prevention and basic clinical treatment, he was left adrift and ended up dying in the plot - the book addresses the decadence of the forest dweller. It is known that some STDs are pre-cancerous.

Eutanázio is the voice of "unliving." In the work, it becomes clear that "unliving" means being far from basic things like prevention and treatment of so-called benign diseases.


Roger Normando - Clinical Surgery II (Thoracic Surgery), 

Barros Barreto University Hospital – Federal University of Pará.

terça-feira, 6 de maio de 2025

The Enlightenment of Segmentectomies

    [...] thoracic surgeon who are not aware of this information and give serious consideration           for learning these techniques are "missing the boat"

Grifith Pearson, 2011. 

The riverside boy had heard talk that the sea existed, elsewhere. To reach it would take days and days of rowing and walking. Instinctively, the boy wanted to know it. Three friends who build dreams were willing to take him. It took six days - two leagues per day - until they reached the foot of the high dunes. One more day was still needed.

When they reached the summit, the sea presented itself to his eyes. There was so much immensity, so much immersion, and so much brilliance, that the boy became mute and pale. When he finally regained his color, he managed to babble. Trembling, stuttering, he asked his friends: — My eyes cannot handle it, help me to see!

       The paragraph was inspired by Eduardo Galeano, Uruguayan writer. The ideology walks step by step with lung surgeons: seeking the immensity of segmentectomies - and their developments. It is indicated for peripheral cancerous nodules (< 2cm) with the aim of cure. In them, less lung is removed without affecting the oncological result, when compared to larger resections. The goal is to reduce the effects on respiratory capacity compared to more extensive surgeries.

        Allied to this search is Mixed Reality (MR), which flows into a sea of technology that has been flooding the surgeon's mind, causing an overwhelming rearrangement in mental connections. It reminds us of children, smiling, running after Pokémon on smartphone screens, in public squares, to form their virtual army and fight other virtual armies of real friends.

        The fact is that, conceptually, the virtual world creates completely immersive digital environments. That's the key word. MR is what mixes virtual imagery with real content through superimposition. The transformation occurs when putting on the glasses. It's a dive into human anatomy never navigated before.

    The glasses are essential tools for this immersion. As they are bulky, when placed on your face you end up looking strange, with random hand movements, resembling someone gesticulating alone on the sidewalk. But inside the glasses, the brain transforms. There is an overlay of virtual anatomy onto the real field of the operated patient, giving the surgeon the ability to evaluate morphological details during the operation. This prevents possible anatomical distortions.

        It is known: the more peripheral the pulmonary dissection, the greater the anatomical variation. The glasses come in deciphering such alterations to remove errors and seek perfection. It's like swimming inside an anatomy book in a three-dimensional field..

        One of the most used literary sources to make this anatomy compatible is "Illustrated Anatomical Segmentectomy for Lung Cancer," by Nomori & Okada, Japaneses. The book demonstrates the percentage of various broncho-vascular variations that, combined with MR, facilitate dissection. The book's plates are very didactic. It even has a preface by Griffith Pearson. It's a masterpiece. Recently, several have emerged with the addition of virtual technology and maximum immersion. It's a path of no return.

        Another classic is "Segmental Anatomy of the Lungs," by Edward Boyden – the same one from the Boyden trunk. A gift from Professor Jesse Teixeira. In it, one realizes how complex anatomical variations are, with minute details to the point of making the reading heavy. It's more directed to anatomists

        The boy went down to the seashore, and from there threw his bottle, confiscating his ignorance mixed with his etceteras and such. It was the way he found for the enlightenment to respond to what words could not say. He left on the bottle's label: "I hope that someone gets my message in a bottle," which the English group The Police claims to be of their authorship.


Roger Normando 

Brazilian Thoracic Surgeon, Universidade Federal do Pará. 


        


    


        

        

sábado, 19 de abril de 2025

La brasilidad de ALAT

                                                                            Um hilo rojo se desprende de la caja

Claudio Suárez Cruzat, cirujano torácico chileno y escritor, en: El Kimono de seda

 

Cuando Peter Burke, historiador inglés, estaba en Brasil lanzando sus libros en portugués, informó con sorpresa que en la década de 1980 su idea sobre América Latina era que Brasil era parte de la terminología. Sin embargo, las personas que hablaron con él sobre el tema le dieron una idea muy diferente: que Brasil estaba en otro lugar, no en América Latina. Los británicos hablan lo mismo de Europa y los sicilianos hablan lo mismo de Italia, sin embargo lo que los separa es la geografía del mar. Aquí está el idioma.

Siempre he querido explorar este tema fuera de mi nido. Así que me fui a la tranquila Talca, una ciudad en el interior chileno y un lugar pacífico para explorar la etiqueta más opaca que separa a Brasil de sus fronteras: el idioma. La pequeña Talca se ubica al sur de Santiago y a tres horas de la hermosa capital. Organizó una prolífica reunión científica sobre cirugía torácica, cuyo programa incluyó operaciones en vivo y, al final de la jornada, conversaciones acompañadas de buen vino de la región del Maule.

Durante el programa teórico hice una prueba: abandoné mi modesto Portunhol -para no decepcionar a Neruda- y hablé con calma sobre el tema que me proponían. Quería hacerles entender, de alguna manera, mi portugués mezclado con açaí. Luego de la presentación mesurada, pregunté a las personas más cercanas a mí sobre su comprensión de la conferencia. Sentí un hemisferio craneal hablando en portugués y la otra mitad en "portunhol". Una extraña inquietud. La observación resultó positiva en términos de comprensión.

    Salí de allí con ganas de estudiar español. Empecé el camino de regreso. Comencé leyendo El kimono de seda, de Claudio Suárez Cruzat, cirujano torácico retirado que vive en Santiago y ahora se dedica a la literatura. Terminé la telenovela en una semana. Allí me di cuenta de que la ruptura de la frontera puede ocurrir si hay dedicación. De esta manera rompería la barrera lingüística y abrazaría a Gabriela Mistral y Alejandro Zambra, reconocidas figuras de la literatura chilena. Otro aspecto decisivo para que nos dediquemos al español y nos acerquemos a los latinos es la cuestión de la difusión de la lengua portuguesa a nivel internacional. Aunque el español y el francés han establecido una sólida presencia en el canon universal, el portugués sigue siendo en gran medida periférico. Hay grandes obstáculos con el lenguaje de Jorge Amado, pero si fuera por Gabriel García Márquez, el Portunhol se oficializaría, tal como propuso en: Yo No Vengo A Decir Un Discurso.

    Peter Burke, que siempre quiso disipar la idea de esa separación, me recordó a Simón Bolívar, en el reciente intento de crear la República Bolivariana, que terminó atropellado por el veneno escorpiónico de su entorno.

Al igual que Burke, la ALAT (Asociación Latinoamericana de Tórax), a través del Departamento de Cirugía Torácica, busca estandarizar el pensamiento de unidad entre su nueva directiva, manteniendo el idioma español. Ricardo Terra (Brasil) y Francina Bolaños (México) organizaron un grupo de redes sociales con la tarea de unificar nuestras fronteras, tratando de facilitar la comunicación. En el grupo social sólo se habla español, sobre todo porque la mayoría hablamos la lengua de Cervantes. Terra y Bolaños apuestan por este enfoque, utilizando una herramienta única: la linealidad científica en un lenguaje domesticable por sus raíces que provienen del latín.

Así, desde la Patagonia hasta la cima de México, ALAT recorre Brasil con su magnitud lingüística, definiendo el deseo de que la magia de la unificación suceda y crezca a través de las raíces del latín.


Texto escrito em português com tradução livre para o espanhol.

domingo, 30 de março de 2025

A cirurgia robótica na Amazônia: o baile dos que sobram

                                                                   Esta é a floresta de hálito podre, parindo cobras.

Fede. O vento mudou de lugar.

Raul Bopp, poeta gaúcho, em: Cobra Norato

 

Quem enxerga a Amazônia pela via aérea depara-se com um enrugamento verde, incisado por uma cauda aquática que serpenteia a floresta com seus tons marrons. O desenho das águas, vista dos satélites, lembra um imenso ninho de cobras. Assim, na aparência encrespada das árvores vê-se a dança de Boiúnas, Boitatás e Noratos que, habitantes do rio-mar, serpeiam as águas barrentas do Amazonas de Vicente Pizón.

O termo mítico "Amazônia" está presente na mitologia grega, antes mesmo de Pizón pisar por aqui. Foram guerreiras sem seio. Dessa maneira, o campo etimológico descortina o mito das mulheres que, para manejarem o arco e flecha com destreza, decepavam o seio destro. Reconhece-se assim as primeiras mastectomias da humanidade. Tais mulheres agrupavam-se em tribo eminentemente feminina e, vez ou outra, cada uma recebia guerreiros brancos. Portanto, Amazônia é mulher, conforme apregoa a ativista Mary Tupiassu.

Ainda pela via aérea, adiante encontramos uma bifurcação emblemática: exploração covarde da floresta e do homem - no sentido ontológico. Ou seja: mamar na mama da mama Amazônia não parece ser mera aliteração que aprendemos lá na oitava série.

Assim sendo, como impingir progresso à região, se lutamos dopados com soníferos para preservar o maior bioma da terra? Bastaria sustentabilidade e atenção primária aos nativos, diriam os teóricos. O próprio cacique Raoni faz apelo ao presidente: “não incentive o petróleo na Amazônia”. Referia-se à margem equatorial, reserva maior que a de Dubai.

Então, como conseguir alcances na fração do país onde os povos originários questionam avanços? Um exemplo vem na área da medicina. No campo da ciência cirúrgica, um dos maiores ganhos foi o da cirurgia minimamente invasiva, desenvolvida inicialmente para o abdome (laparoscopia), conhecida como "cirurgia a laser" ou com "furinhos". Os pioneiros, já na década de noventa, aportaram no tórax e, entre as costelas, chegaram à cavidade e retiraram cânceres. Foi grande conquista. Em seguida, a robótica. Hoje já são mais de 111 plataformas no Brasil. Apenas uma na Amazônia.

A sensação é que Amazônia, sem um dos seios, segue com o arco-e-flecha-da-sobrevivência, sem poder amamentar progresso. O exemplo vem do cirurgião torácico acreano: “Nem vídeo temos para o tórax. Rio Branco sem broncoscopia”. Em Manaus, um cirurgião me confidencia: “Ainda não chegou o Robô, acredita?”.

Entre as capitais, apenas Belém tem cirurgia robótica, desde 2017, mas vive sob o penar de seu custo exorbitante, a ser pago pelo paciente. Manaus ainda a ver, dos navios, cobra Norato. Ainda se duvida que haja uma sociedade brasileira preocupada em dar à Amazônia qualquer apoio. Vai precisar passar pela margem equatorial, para lhe render dólares. Ouviu, Raoni?

Mesmo com toda essa desigualdade, aceitei o desafio para falar de "perspectivas da cirurgia minimamente invasiva torácica no Norte do Brasil", em evento da Sociedade Brasileira de Vídeo-Cirurgia, Robótica e Digital, realizado em Macapá. Após contar a nossa breve história, na metade da apresentação deixei um diapositivo em branco. Nos seguintes, mostrei uma foto da COP30, a ser realizada em Belém (novembro/2025), assim como imagem da Margem Equatorial.  Duas mensagens que se espadam, cujo alvo é a jugular. De um lado Curupiras, do outro os descendentes de Adam Smith.

Se o petróleo vingar, podemos ter esperança que a vídeocirurgia e a broncoscopia cheguem ao Acre e a robótica pelo menos alcance as ilhargas da margem equatorial. Ou será que a Amazônia seguirá fedendo, conforme apregoa Bopp?

Deu uma vontade imensa de realocar a epígrafe desse ensaio para o último diapositivo, entretanto me rendi à beleza de fotografar a imensidão do rio Amazonas, ali na beirada de Macapá, a 200km da margem equatorial, e seguir pela ciência caseira, da reza das benzedeiras, até esperar o dom milagroso que carrega a esperança da chegada das duas novas plataformas: a do petróleo e a da robótica.

... Mas sem enfurecer o cacique.


Roger Normando, professor de Cirurgia, Universidade Federal do Pará.