sexta-feira, 5 de janeiro de 2007

A primeira volta ao mundo (Lembrando os 80 - I)


Os anos 80 foram anunciados com a atitude do ex-guerrilheiro e exilado político Fernando Gabeira, que, no verão de 79 - o verão da Abertura-, abalou Ipanema apresentando-se com uma micro-tanga de croche azul-rocha, na verdade a calcinha da Leda Nagle, de quem ele havia emprestado a peça do vestuário por não ter com que ir à praia. Depois desse fato e do episódio das latas com maconha prensada boiando na Baía da Guanabara, o Brasil dos militares jamais seria o mesmo.
Mas, os 80 começavam e pra valer pra cima da ditadura militar, já meio alquebrada depois de 16 anos de LSN, AI-5 e 477, divída externa impagável e inflação galopante. Entretanto a coisa não foi lá muito fácil até que chegássemos finalmente a eleger o Tancredo Neves, ainda que o para o Zé Ribamar Sarney presidir o Brasil. Até Fafá de Belém saudar o Menestrel das Alagoas e anunciarmos pomposamente a chamada Nova República muita água rolou dos céus de Belém.
A começar pela reação da extrema-direita, inconformada de ser apeada do poder pelos comunistas que retornavam dos exílios. E mandaram bala, ou melhor, bombas.
Foi o tempo de explodir a OAB, a Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, o Rio Centro e as bancas de revistas que distribuíssem pasquins vermelhos (O Resistência era um deles). Lembro que eu e Sérgio Carneiro, futuro presidente da UNE, estudávamos a maçuda Anatomia Patológica do saudoso Prof. Ronaldo Araújo, enquanto explodiam as bancas na Praça da República. Fechávamos então o Bogliolo e dávamos um pulinho pra ver o estrago. Dos autores, até hoje nunca se viu a cara, e olhe que nesse priapismo golpista tardio a tal linha dura terminou matando civis.
Falando na truculência do regime militar, lembro que é do início dessa época o assassinato de um estudante em sala de aula, no Campus Básico da UFPA, vitimado pelo disparo não proposital da pistola automática de um Agente de Polícia Federal. Nesse tempo, para espionar os estudantes, essa gente entrava nas universidades sem vestibular, infiltrava-se no movimento estudantil e se graduavam santamente. Ainda lembro vivamente do cortejo que levou o corpo do estudante até Santa Isabel, sob uma torrencial chuva, todos cantando Pra dizer que não falei de flores, do Vandré, e "quem cala sobre teu corpo, consente na tua morte", com polícia de tudo que é lado fotografando quem desse bobeira. Aliás, o rapaz assassinado foi irmão de Sandra Leite, obstetra bem afamada em Belém, petista e hoje dirigente do IPASEP. Esse crime permanece impune até hoje!
È de 82 a expulsão dos Padres Camio e Gouriou, franceses, presos em Belém com base na LSN por organizarem posseiros de terras no Araguaia, região especialmente sensível para os governos militares. Todo o movimento estudantil de Belém se organizou em vigília para pressionar o governo a libertar os religiosos, com apoio de segmentos da Igreja Católica. As vigílias aconteciam na Igreja da Trindade e o lanche era garantido pelo Pedro Anaisse, que morava na Gama Abreu. Todo o esforço de mobilização foi em vão. Foram expulsos os dois do Brasil com base na LSN.
Mas, politicamente, os 80 guarda a fundação do PT, da CUT e do MST, três pesos pesados com influência até hoje. É o tempo também da emenda Dante de Oliveira que, embora derrotada, não impediu que o país se levantasse pela redemocratização, reunindo-se o povo em comícios monumentais da campanha pelas eleições diretas para presidente - Diretas Já! era a palavra de ordem.
Pois o negócio foi tão contagiante que até o General Presidente Figueiredo foi democrata ao modo dele, do alto de um cavalo imaginário que parecia sempre cavalgar: Quem for contra a abertura política, eu prendo e arrebento! E não satisfeito completou adiante: o comício pelas diretas deu um milhão de pessoas? Pois daria 1 milhão e uma se eu estivesse no Brasil!
Mas, aqui, cabe um porém. Foi em 82 que as esquerdas se uniram em torno de Jáder Fontenelle Barbalho e o elegeram governador do Pará. E com o meu voto, arre! Mas, quem iria advinhar. Nessa época o Edmilson já andava pelo movimento sindical (nunca se interessaria por movimento estudantil), mas não havia cunhado o tal fé no que virá que o elegeria prefeito de Belém, quinze anos depois!

3 comentários:

Anônimo disse...

Gostei, mas gostei mesmo desse comentário: realista, verdadeiro e objetivo!
Vivi o movimento estudantil na era pré e pós-64.
Participei de reuniões que antecederam o golpe e, triste, vejo hoje que o Brasil padece dos mesmos problemas daquela época.
Lembram do "milagre brasileiro" de 73, em pleno governo Médici?
Não parece com o nosso hoje?
Já passo dos 60 e sinto que o Brasil e, particularmente o nosso Pará, estão caminhando para um precipicio.
Com licença do Comendador Mário Sobral, valha-nos quem?

Citadino Kane disse...

Oliver,
Legal o teu relato, consigo acompanhar a partir dos anos 80. Fui testemunha dessa parte da história.
Um forte abraço,
Pedro

Itajaí disse...

Obrigado, pelos comentários. Fazer a crônica é complicado porque há tanto mais por relatar. Busquei a síntese e ainda assim julgo que ficou comprido.