sábado, 4 de junho de 2011
Edu, Dorinha e os espíritos de porco
Espírito-de-porco encarnado (Bruno Brasil)
Aos sábados, Edu sempre chegava em casa às 8 h, após passar a noite cuidando de seu velho pai e invariavelmente trazia umas tapioquinhas para a sua amada esposa Dorinha, que naquele horário dormia a sono solto, após a “saidinha” de sexta com a inseparável amiga Helga.
Mas, naquele sábado em particular, Edu apresentava um pouco de inquietude, de angústia, algo assim inexplicável, pulsando em seu peito.
E quando o porteiro lhe entregou um envelope de carta, daqueles bem antigos, com a borda verde e amarela, lacrado e endereçado a ele com letra trêmula, o seu mal estar íntimo só fez aumentar.
Sentou-se então, num banco junto ao elevador e passou a ler a carta que reproduzo integralmente abaixo:
“EDU, ONTEM FUI AO CENTRO ESPÍRITA E RECEBI UMA MENSAGEM PSICOGRAFADA DO TEU AVÔ SALUSTIANO. PENSEI MUITO SE TE ENTREGARIA OU NÃO, MAS COMO COM OS ESPÍRITOS NÃO SE BRINCA, EIS A DITA CARTA. UM AMIGO ANÔNIMO.”
Em outra folha, em letras esbugalhadas, Edu leu a mensagem psicografada:
“Meu neto Eduzinho, abre os olhos! Tua esposa tem prevaricado quase que diuturnamente com muitos rapazes da cidade. És motivo de chacota no bairro da Pedreira e em outros sectores da cidade de Belém. Perceba, reflita e aja.
Ass. Vovô Salu.”
Edu ficou transtornado, tomado por uma sensação de calor e frio ao mesmo tempo, com náuseas e cólicas.
Subiu, trêmulo, os treze andares de escada, pois não queria encontrar uma viva alma sequer no elevador.
Ao entrar no apartamento foi direto ao banheiro e após uns bons 30 minutos de ducha fria resolveu acordar a Dorinha.
A adorável Dorinha, semi-desperta, caminhou como um zumbi até o banheiro e, ao voltar, involuntariamente exibiu a sua mama esquerda sob a camisola de renda e nela Edu vislumbrou uma enorme mancha roxa, de um tom tão escuro que desencadeou imediata cefaléia no nosso herói.
“Cazzo, Dorinha!”, gritou Edu, provavelmente evocando algum remoto antepassado italiano. “Me explica tudo, agora!”, berrou ao mesmo tempo que apontava para o peito de sua amada.
Dorinha bocejou, protegendo a boca com a mão em concha, tentando amenizar o hálito da vodca Nakamov que havia ingerido generosamente na noite anterior, e, usando toda a sensualidade que pôde obter de sua voz rouca, iniciou cuidadoso relatório para o seu amado marido.
“Duduzinho, pitchuquinho meu, não pense nada, só me escute! Eu ainda ia te contar, depois que eu acordasse, é lógico. Ontem, só para mudar a rotina da sexta, eu e a Helguita não fomos pro cinema, nem para nenhum bar desses cheios de gente sem graça. Nós fomos para um..., veja bem, Eduzinho, não se aborreça, tá, meu amor lindinho?!”, ensaiou Dorinha.
Mas Edu, com a fronte e as mãos suadas e geladas logo a cortou com um grito: “Se tu gostas de mim, Dora, fala a verdade, mas fala agora. Eu agüento tudo, ou pelo menos eu acho...”.
“Nenenzinho da Dorinha, eu fui a um terreiro de umbanda, de macumba, entendeu? Tás satisfeito agora? É claro que foi idéia daquela péssima da Helga. E quer saber, mesmo? Até que foi legal, Edu, diferente, vibrante e estimulante. Até baixar por lá o Caboco Mamador. Ele que estragou tudo!”, disse Dorinha, já com lágrimas nos olhos.
“Que história é essa de Caboco Mamador, Dorinha? Tu tás querendo dizer que um caboco mamou nas tuas tetas? É isso?!”, uivou Edu.
Dorinha então, mais uma vez segurou firme nas rédeas da relação, e despachou a carta derradeira, murmurando “Edu, bobinho, deixa de ser burrinho. Quem mamou foi a entidade, um bebê do além, um bebezinho tão guloso quanto o meu Duduzinho. E eu dei de mamar porque com os espíritos não se brinca, não é mesmo, Edu, muito menos com os do mato...”.
Edu, já se sentindo aliviado, resolveu perdoar a Dorinha, e chorou muito enquanto se desculpava com a sua idolatrada companheira pelos pensamentos que o assolaram nos últimos minutos.
Afinal, tudo estava esclarecido: a carta psicografada do seu avô, o hematoma da Dorinha e o Caboco Mamador, tudo passou a coexistir em plena harmonia cósmica.
Traição é um ato essencialmente terreno, não é mesmo?
Apenas uma diminuta pulga ainda insistia em pular na mente do crédulo Edu.
Ele não tinha lá muita certeza, mas lembrava que um velho amigo dele, do Rio, o Samuca, há muito tempo tinha contado alguma coisa sobre um tal Caboco Enrabador.
Mas, enfim, fazia muitos anos, e Edu selou finalmente o seu restinho de ansiedade com um derradeiro pensamento: “eu acho que eu estou me confundindo. Enrabador, não!!!– ele deve ter falado mesmo é do Mamador...”.
FIM
PS: postagens anteriores de “As Aventuras de Edu e Dorinha”:
A Mensagem
A Carona
O Exame
Onde andam?
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6 comentários:
Ótima série.
E a idéia de colocar os links para os capítulos anteriores, além de absolutamente elegante, é um sinal inequívoco de respeito aos leitores.
Parabéns!
Obrigado pelas bondosas palavras, Charlie.
O mais interessante de toda essa brincadeira do Edu e sua turma é que uns poucos amigos teimam em afirmar que os personagens são reais. Já há 3 candidatos para o papel de Edu e pelo menos 2 Dorinhas, e em estados diferentes! É muito divertido.
Scylla, tenho uma teoria sobre isso. Melhor que insistir com você, autor da saga, que os protagonistas existem ou não, é deliberar esse pensamento dentro do próprio universo individual de cada leitor. Eu, por exemplo, já identifiquei o "meu" Edu, teu personagem. O legal da verdade da ficção é que um mundo passa a existir, mesmo que por instantes, naquele momento de nossa própria história. Oras, já dizia o poeta que a" poesia é de quem a lê, não de quem a escreve." portanto, os "meus-teus" Edu e Dorinha e Helga, já estão personificados em minha inteligência do texto que nos presenteias, para alegria do meu fígado, que se refaz após tantas gargalhadas que o Eduzinho pitchchuco me provoca. Tks a lot! Kss
Silvina, os nossos Edus e as nossas Dorinhas são pessoas/personagens felizes.
Imagine a Dorinha exibindo as suas partes posteriores pro Edu, todo dia antes de sair de casa, e perguntando algo assim como: "Edu, eu estou gostosinha?"
E serão felizes para sempre!
Kss
Muito bom, como sempre, Scylla
Abs
Obrigado, Edyr.
Eles voltarão!
Um abraço.
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