Ponto: "Por isso, a história da Cirurgia Torácica confunde-se, em larga
medida,
com a história dos artifícios técnicos, criados pelo humano
engenho..."
Jesse Teixeira, 1979
Contra-ponto: "O presente se assusta com o futuro e desdenha o passado. Se não somos capazes de adivinhar a próxima descoberta, somos altamente capazes de subjugar o antigo pela coerção mais ignorante que a tecnologia não foi capaz e ofuscar: a que somos o estágio mais avançado da humanidade"
João Pedro Normando, historiador
Em 1978, logo que chegamos à cidade grande ainda éramos
meninos, bem dizer, para entender o progresso e o peso da revolução industrial em nosso cotidiano. Costumávamos caminhar pelo centro histórico e rever cada pedra
de lióz e comparar com a infância no interior de tempos idos e de textura
brejeira. Hoje, andando pelas soleiras de modernas ruas, sob intervenção do
progresso, percebe-se que a transformação – inexorável transformação – foi faca
amolada em nossos sentimentos de outrora, ao mesmo tempo lentes para nossas
retinas de cirurgião congraçado com o presente vistoso.
Esse prelúdio de pensamento ignora o tempo, para e pede silêncio,
feito barco ancorado, mas reconhece que a vastidão da tecnologia lustra seus
berloques, mesmo sabendo que o caminho por essa dualidade provoca sequidão na garganta.
Na cirurgia torácica, da ótica por onde olhamos, o
velho e o novo nos tatuam com flores de ipê - talvez nem seja saudável a
comparação -, mas insistimos nesse passado para evitar que nossa memória se
desbote diante da avalanche de tecnologias inebriantes, pois há tendência de se
descarregar esse decurso no expurgo - o que não é justo.
Destarte, nós, avatares da cirurgia, chegamos aqui
por conta desses grandes homens que lutaram e nos deixam esse legado
imensurável de bravura e ternura pela profissão. Jurgen Thorwald, em seu
viscoso “Século dos cirurgiões”, relata que os grandes cirurgiões do passado se
dedicavam a ser mais rápidos nas operações, diga-se de passagem, sem anestesia,
sem luvas e sem assepsia. Realizavam grandes incisões e, por isso, poetizavam-se
como grandes cirurgiões. Por vezes nos vemos nesta epopeia cuja realidade da
época nos deixou estampados o folder da coragem.
Se nossos ancestrais abriam peitos por acessos
extensos, com cicatrizes grotescas, fizeram por caminhos cavoucados na solidão
do desamparo tecnológico e de novos conceitos. Ampla abertura era o único meio
que dispunham para observar a cavidade em suas explorações e, como tal, fizeram
muito bem, a ponto de nos beneficiar nos momentos mais críticos da abordagem atual - a do vídeo. O próprio Vicente Forte já nos alertava para a
chegada da cirurgia vídeo-assistida, mas brandia para que não abandonássemos o
velho traçado circum-escapular. Esse prelúdio de Vicente faz-nos crer fortemente que devemos ter
muito cuidado com atitudes e palavras - por vezes jocosas -, quando recobramos
o tema.
A operação por vídeo, popularizadas como
“cirurgia a laser”, agora tirando onda com a robótica, se aproximou do tórax no
final dos anos noventa, autorizada por Sauerbruch. O corte do tamanho de um band-aid trouxe no compasso da evolução tecnológica o passo da revolução industrial, mas toda gente deveria saber
que incisão, instrumentais e os uivos de outrora abriram caminhos para o olho
mágico de hoje, reduzida magnificamente a uma câmara de 5 ou 10mm, cujo contato entre o
operador e o órgão acometido tornou-se por meio de instrumentais apropriados, guiados como um joystick.
Portanto,
faz-se mister uma postura crítica construtiva alinhavada aos cirurgiões de
hoje, pois conquista e tempo são almas que se entrelaçam e se admiram. Para nossa
relação com esses homens, valemo-nos da passagem bíblica, quando João Batista viu
Jesus Cristo e disse: “Não sou digno de desatar as tuas sandálias”.
Os autores são Roger Normando (PA) e Elias Amorim
(MA) são cirurgiões titulares da Sociedade Brasileira de Cirurgia Torácica.