Não era muito fácil ouvir rock na década de 1980 em Belém do
Pará. O rótulo de rockeiro não era muito bem-vindo, e soava mal como outras
expressões da época, tipo hippie ou maconheiro.
Nenhum pai queria, por opção própria, ter um rebento
(cabeludo ou não) que vivesse ouvindo aqueles riffs estranhos, pesados,
acompanhados por gritos e uivos. Mesmo que as notas fossem boas no colégio ou
na faculdade, e que não se ingerisse (muita) bebida alcoólica (ou outros aditivos orgânicos),
ainda assim era preferível ter um filho ou filha ouvindo música "normal", como disco music, midback, MPB,
samba, bossa nova, ou no máximo The Beatles.
Não é a toa que Belém engatou nos anos 80, inclusive no
plano musical. Quem aqui viveu aqueles longos momentos sabe que Madonna, Cindy Lauper,
Pet Shop Boys, Donna Summer, Patrick Hernandez e tantos outros grudaram de tal
forma nos neurônios daqueles então jovens, que de certa maneira o gosto por
este tipo de som foi geneticamente transmitido para os seus descendentes, que
até hoje choram nas pistas de dança ao ouvir um hit daqueles “bons tempos”,
como West End Girls, por exemplo. Midback parece combinar com farinha e
tucupi...
E havia poucos refúgios para quem necessitava instintivamente fugir da Signos,
Saudosa Maloca, Gemini e similares. Festas privadas, como as que ocorriam no
Colégio do Carmo, podiam tocar até músicas de bandas “mais raras”, tipo UFO,
então eu e minha tchurma íamos a todas. E foi assim, nessas festas particulares , que acabei conhecendo muitas pessoas nas vilas
militares e fazendo bons amigos de várias naturalidades (gaúchos, paulistas, cariocas, baianos e até paraenses) e participando inclusive de shows da banda Stress, pioneira do hard
rock em nosso estado. Era o nosso universo paralelo, uma espécie de não-anos oitenta.
Mas os verdadeiros templos eram as lojas de discos 33 & ¼
e Gramophone, locais onde podíamos até encontrar outros alienígenas para bater
um papo sobre bandas que fora dali soariam tão estranhas quanto a língua
klingon. Edyr Augusto e Floriano talvez não tenham ideia de quão importantes
eles foram para uma geração que tentava nadar fora do mainstream musical da
‘Magueirosa oitentista”.
Bom, de certa forma eu tinha que paralelamente “engolir” a trilha sonora oficial da
primeira metade dos anos 80 ou não teria tido uma namorada sequer. Ia apanhar
as moças ouvindo AC/DC no carro, trocava para a “fita da ganhação” (sim, tinha que tocar Lionel Ritchie!) e depois de
devolvê-las em segurança ao lar voltava para casa ouvindo Iron Maiden.
Hipocrisia? Mimetismo? Instinto? Não o sei. Mas era muito
legal ser underground disfarçado de burguês (ou burguês disfarçado de
underground?!).
Em 1985 fui morar em São Paulo e lá outras trilhas sonoras
se agregaram e mudaram o meu comprimento de onda, sempre dentro do rock.
Voltei à Belém uns bons anos depois e logo na minha
primeira semana por aqui um tio meu insistiu para que eu fosse ver um show da banda
Solano Star no Teatro Waldemar Henrique. Lá chegando, ele apontou para o palco
e cheio de orgulho, exclamou: "o guitarrista é meu filho, é o teu primo!".
Naquela fração de segundo percebi que os não-anos 80 haviam definitivamente
acabado e se transformado nos anos 90.
Sorte do meu primo e de sua geração.
Long live rock’n’roll!
Vida longa à diversidade!
8 comentários:
Graças ao bom Deus existe a diversidade. Rock é tudo de bom. Madonna também.!
E agora a gente vai...
Texto maravilhoso, Scylla. Adoro essas abordagens saudosistas.
No mais, burgueses querendo ser underground ou vice-versa continuam existindo até hoje!
Silvina, o mundo precisa de Madonna, de Waldick Soriano, de Bono Vox, de Chico Buarque, do Tubinanbá e de nós para ser este lugar tão musical e tão pai d'égua que o é!
Long live the world of music!
Obrigado, Yúdice!
Às vezes o saudosismo pode ser o combustível de nossas vidas, não é mesmo?
Abs.
O Yúdice me abarrota de razão: o texto é primaz. Confesso, entretanto, meu caro Cilão, que não gostava de Rock até um dos meus rebentos se tornar baixista da banda cover "U2 Amazon", ainda aos 15 anos de idade. Gostava (e ainda gosto) de Beatles, mas não os via como Rock. Hoje, acredite: curto. Reconheço conteúdo, forma e estética no Rock. Penitencio-me, agora, em público.
Belo, Scylla, as always. Eu e Floriano, saudades da 33.. Mas a verdade é que o rock deixou de ser oposição para ser situação. Pais orgulhosos de ver seus rebentos no palco, na guitarra, isso nos anos 90. Agora, creio, tudo está nebuloso. Essa nova geração parece gostar mais de ser platéia do que estar no palco.
Abs
Roger, como o Papa é pop rock, você está perdoado. Rss.
Abs.
Obrigado, Edyr.
Concordo com você que o lance do momento é ser platéia. É assim que as megacorporações nos querem.
Abraços.
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