sábado, 7 de janeiro de 2017

Fogo cruzado

"O horror bestial dos presídios, dominados por facções criminosas, 
choca o mundo e impõe desafios enormes ao governo e à sociedade"
Revista Veja, em 11 janeiro de 2017.

      A gente tenta não escrever sobre a violência, pra não ficar escravo do tema, mas eis que a televisão, os jornais, a conversa com o vizinho e aquele filminho no zap da carnificina de Manaus e Boa Vista destripando um tórax, vem e atingem o fígado e catapulta qualquer Quintana que porventura tente alcançar minha veia Porta.
A barbárie de Manaus leva-nos a refletir sobre os caminhos que tomamos pelas principais artérias da cidade-irmã, Belém, quando passamos pelas diagonais, transversais e vielas, até aportar em nossos destinos. Tremulamos debaixo dos semáforos em vermelho e ficamos catando estilhaços daquela imagética carcerária em nosso imaginário sob o medo de sermos aparados por uma bala no pescoço, por conta de desavença entre duas facções que brigam pela geografia do tráfico. Como não existe muro, nem área de demarcada, tem-se a sensação que, por uma dessas diagonais um cartucho possa se desprender de um cano de revólver e atingir minha carótida e todos os meus quase seis litros de sangue vaze para debaixo do tapete (do carro e depois da grama do cemitério) e se torne um drama desmesurado (O sinal se mantém vermelho; a zona é vermelha).
Não existe um muro a prova de bala que separe esses dois mundos e a gente possa escolher ficar no lado quieto, por isso essa “nóia” não me sai da cabeça e acaba me apequenando diante do terror. Estamos inseguros quando andamos na rua e sinto-me um vira-lata que levou um chute no traseiro, que ainda tem que cuidar do lixo nosso de cada dia, sem direito ao rosno.
Numa manhã de domingo, em uma das enfermarias do principal Hospital de Trauma da cidade estavam, acamados, um policial e um meliante. Um de frente pro outro, na mesma enfermaria, separado por um metro de paz. Junto com os estudantes, na hora da visita, passamos entre eles, ou seja, no meio do fogo cruzado - virtual que fosse. Expliquei o fator social de ambos e todos ficaram com os olhos esbugalhados. 
O baleado no tórax é suspeito porque tatuou na perna esquerda a figura de um palhaço, código dos que matam policiais. Com medo, ao lado de sua mãe, ele não tirava o lençol da perna pra tomar banho e nem abria o olho para ser examinado, simulando sono eterno, com receio de ser identificado. O policial, por sua vez, tinha levado um tiro no lobo frontal e apresentava um comportamento doentio para um paciente hospitalizado: a euforia. Todas as vezes que entramos na enfermaria ele nos saúda com um estrondoso bom dia e nos sapeca toda sua fanfarronice pela felicidade de ter sobrevivido após tiro no crânio.
Nós, ali no meio, no meio do redemoinho, representamos todo esse belicoso detalhe da vida social que estamos exposto e, sem deixar de nos atormentar pela purga espiritual, empunhamos a ordem do dia.
Foi quando o sinal abriu e peguei o beco; alteei o som do carro para ouvir o saxofone de Coleman Hawkins, Charlie Parker e Lester Young, deixando a voz de Sarah Vaughan se liquefazer e adentrar pelos poros e até bater aqui no meu lobo frontal e fazer com que aquela bala tome o rumo do inferno e eu recupere minha euforia.

4 comentários:

Erika Morhy disse...

Fiquei tentada a dizer: policial e meliante, dois lados da mesma moeda. Somos todos um, o que gostaria de deixar como ideia. E isso já dá bastante pano pra manga. Deixo a bola com os universitários.

Geraldo Roger Normando Jr disse...

Erika, de fato. Tanto é que que os tratamos da mesma forma, prescrevendo os mesmos elixires, independente da origem social. Fora da dali é que os atores tomam seu próprio rumo e a gente fica passeando entre esses dois mundos...

João Luiz Pereira Tavares disse...

Bom...,
Portanto, visto que está agorinha chegando o amanhecer do 1º domingo de 2017, vamos vestir-nos, tomarmos o café da manhã -- de preferência um capuccino --, e vamos trabalhar no PC para ter dias melhores, tendo sempre o capacete e a espada à mão.

Os nossos inimigos já sabemos! São a picaretagem, a baranguice, a cafonice, o Kitsch, a breguice e a mentira publicitária das velhas e velhos de Mídias Sociais do Petismo.

Embora, por outro lado, já tenham sido privados daquela imagem ilusória de invencibilidade que tinha sido criada por João Santana, e feito tanta gente tornar-se isentona e alienada, postando coisinhas infantis e oba-oba em sítios como o G+ e Facebook. E, daí, esquecendo totalmente de falar mal do PT.

Todos esses bregas e essas bregas, que são categoricamente a favor das forças financeiras das trevas, vão continuar passivas e isentonas em 2017! Como se nem o ano 2016 tivesse acabado e passado. Afinal, sabemos, petistas têm Natal e reveillon ruins e antiquados. O ano 2016 foi o da vitória. Essas asseclas do Petismo estão longe de ser derrotadas. A baranguice é tal qual ERVA DANINHA, cresce a minuto. Portanto fiquem de OlhOs bem abertos!

MAS, MESMO ASSIM, SERÁ UMA NOITE NÃO SOTURNA E SIM SOLAR E ALEGRE!

O que queremos dizer é que a luta continua. Mas será uma luta mais alegre e mais solar, porque vemos divisões e dúvida no coração do inimigo, e vemos as primeiras luzes do sol, depois de uma longa noite de 13 anos de toda espécie de baranguice.

¿Por quê? ¿Por que dizemos que será uma luta mais alegre?

Porque afinal a analfabeta política, de 50 milhões de votos, foi dado-lhe um ponta-pé na traseira pensante que ela leva sobre o pescoço, naquele glorioso ano de 2016.

Por mais que possa parecer estranho e paradoxal, se milhões de brasileiros encontrarem mais coragem para se opor à máquina infernal que os aprisiona, a encontrarão também os milhões de cidadãos estadunidenses, que têm demonstrado que não querem mais ser soldadinhos de chumbo dispensáveis ou vacas leiteiras. Claro que estou a falar de gente pensante, e não de bregas, nem de universitárias de unidades decadentes do interior brasileiro e muito menos estou a debater a respeito de i-sen-to-nas.

E, por mais estranho que pareça, mudando um pouco de assunto, um engraçado irlandês meio alemão que construiu um império hoteleiro, poderá, agora, jogar suas cartas no grande jogo. Digo lá nos Estados Unidos da América (país esse que nos permite está escrevendo nesse Newsletter nesse exato momento, o inventor da Internet).

Não sabendo para que lado ele vai jogar exatamente, mas tendo em vista aqueles que tudo fizeram para impedir sua eleição, desejamos, desportivamente, poder apreciar a sua devida revanche! Dia 20 é a posse. Corajoso, que fala o que pensa, sem picaretagem fingida.

Unknown disse...

Roger, lembro uma conversa que tivemos na Residência, em que o professor dizia que o Trauma, seria o mal do Século! Isso foi no século passado! E agora ? O que dizer........?Há uns quinze anos , operei um latrocida , "Neguinho", que estava infernizando a vida dos cidadãos, em Macapá ! Ao sair do centro, fui abordado por policial civil, que perguntou como ele estava! Então disse que tive que fazer uma ressecção , de parte do intestino grosso e que tivemos q fazer uma colostomia , mas ele estava estável e deveria ficar bem! Então ele disse: "caramba", vocês o salvaram ? O que dizer........?