Nem tudo que se faz na medicina tem evidência máxima. Vai se construindo o aprendizado ao longo de descobertas, sem esquecer dos percalços. Em cirurgia das vias aéreas (Laringe e traqueia), compreende-se melhor o que se faz depois de já feito, como se fosse descoberta, como se fosse pintar as imagens com palavras de se ver e ouvir. Assim bem desenhou nosso centésimo paciente da série de cirurgias traqueais realizada no Hospital Público Estadual Galileu (HPEG): “Deu uma sangradinha de leve, mas a recuperação está sendo boa”, disse ele ao ser indagado sobre a evolução do primeiro dia.
O ar frajola de seu testemunho deixa o jovem cirurgião, ao lado, com o rosto estupefato. Em seguida vem o riso frouxo. Se paciente brincou com a própria dor pós-operatória do primeiro dia, outrossim, comemorou a boa recuperação da voz, da respiração e da capacidade de sentir cheiro e ar passando pelas narinas. Brindou a vida após a longa espera na fila da eucaristia com as mãos atadas à esperança.
Somos três cirurgiões titulados pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Torácica (SBCT). Tocamos esse trabalho todo sábado, como parte de um programa do governo do Pará, denominado TRAQUEOPLASTIA, cujo escopo é recompor a via aérea de usuários de traqueostomia. O programa comemora seis anos em outubro e já atendeu mais de 250 pacientes, entretanto a grande maioria dos procedimentos é endoscópica. Nem todos precisam de cirurgia aberta, todavia neste final de semana (24/09/2022) ocorreu o centésimo caso.Cerca de vinte cirurgiões (locais, nacionais e estrangeiros) já estiveram presentes neste programa, tendo em vista o grande desafio que se tem com as operações neste compartimento específico do corpo humano.
Durante esses seis anos há pedaços da memória que se colam ao cérebro, feito adesivos deixados na borda de cada página interrompida para o descanso da leitura - até que se chegue ao final da centésima página. Seríamos capazes de viver um livro de 100 páginas? Talvez. Se há aproximação com a com a literatura médica e a arte da cirurgia, nem precisaria tanto. Mas se há distâncias, haverá de conter mais de mil páginas, mesmo assim não se aguçaria o sentido da ordem. Cerca de vinte cirurgiões (locais, nacionais e estrangeiros) já estiveram presentes neste programa, tendo em vista o grande desafio que se tem com as operações neste compartimento específico do corpo humano.Se o exercício da cirurgia acende suas páginas ao incisar cada pele, ou a cada despertar do sono anestésico, não se pode deixar de lembrar das diversas horas repelindo o insucesso. E que não deixemos de reconhecê-los como parte da caminhada, hoje às avessas desta escrita comemorativa.
Assim revivemos a centésima operação aberta nas vias aéreas no Hospital Público Estadual Galileu (HPEG), para que a fala desse jovem revele nosso prumo: “... mas a recuperação está sendo boa”.
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