Em novembro de 1989, quando da queda do Muro de Berlim, tive a oportunidade de presenciar tão importante acontecimento da história ocidental bem de pertinho, como jovem pós-graduando da Universidade de Freiburg, na então Alemanha Ocidental.
Assisti pela televisão a festa em Berlim e testemunhei o delírio da multidão com uma boa dose de emoção.
Na manhã seguinte, ao invés de encontrar um clima festivo no hospital, me deparei com um ambiente de profunda preocupação por parte de todos, principalmente sobre a parte financeira.
A atmosfera de velório com o possível aumento dos impostos para "pagar a compra da DDR (Alemanha Oriental)" era geral e englobava desde o honorário professor até a funcionária da limpeza.
Poucos dias depois começou um fenômeno interessante: a invasão dos Trabis nas auto-estradas.
Não é difícil imaginar a confusão causada na Autobahn por um enxame de carros da marca Trabant, feitos na Alemanha Oriental com material plástico, usando tecnologia dos anos 1950 que incluía motor dois tempos de 20 cavalos e que levava os emblemáticos veículos à velocidade máxima de 100 km/h (na descida!).
E isso tudo no único país do mundo sem limite de velocidade nas auto-estradas (aliás, assim permanece até hoje)!
Junto com os Trabis vieram os donos dos Trabis, e pude finalmente conhecer e conviver com os anteriormente misteriosos comunistas da DDR, pessoas que se mostraram surpreendentemente normais, inocentes até, em função do isolamento do capitalismo.
Nos meses seguintes fui testemunha da discriminação velada a que os alemães orientais foram expostos, como uma forma de "xenofobia interna", bem semelhante a que nós, nortistas e nordestinos, sofremos no sul e no sudeste do Brasil.
Mas quarenta anos pouco representam na história de um país de tão rica história, como a Alemanha, e hoje a atitude discriminatória aos oriundos do leste germânico é quase imperceptível, pelo menos na superfície.
Experimente, porém, aprofundar um pouco a conversa e a sensação de que ainda existe um muro dividindo um povo, uma cidade e um país é fortemente real.
Não o vejo, mas o muro está lá, dividindo os que dirigiam Trabis dos que não dirigiam Trabis.
Aliás, o muro também está aqui.