Nós, brasileiros, temos grandes semelhanças com nossos vizinhos latinos. A despeito das diferenças, obviamente. E me dou conta disso com mais ênfase a cada dia mais que passo aqui na Argentina, país que expõe, aparentemente, muito mais seu incômodo com esse distanciamento a que fazemos questão de manter, assim como também mantém lá seus preconceitos, é bem verdade. Faço este “nariz de cera”, como se poderia dizer jornalisticamente, instigada por uma série de encartes do jornal
Página | 12 – quem é leitor do Flanar e de alguns dos meus textos já deve ter percebido meu chamego com o periódico. Pois bem, eles oferecem agora oito encartes intitulados “Pensadores de la Patria Grande”. E a justificativa é inspiradora. Eis uma pequena parte dela: “nossas escolas e universidades nos ensinam enfaticamente a história da Espanha, Inglaterra ou França e nos mantém ignorantes da história do Brasil, da Colômbia ou do México”. Foi para fazer frente a esta cultura que o jornal argumentou a série de publicações.
Essa ladainha vem muito ao encontro de uma inquietação minha desde as primeiras semanas que cheguei aqui. Por que nos mantivemos na tradição de estudar o inglês e não o espanhol, se o Brasil é vizinho de quase todos os países da América Latina? À exceção de Chile e Equador, temos limites geográficos com todos os demais. E temos muito em comum para compartilhar, aprender e lutar juntos.
A proposta do jornal é proporcionar aos leitores informações sobre líderes que empunharam bandeiras da liberdade, da autonomia dos povos, dos direitos humanos, da união entre os
hermanos. Mal sabemos quem foi Quintino Lira, no Pará, quanto mais quem foi o “bandido sublime, Augusto César Sandino”. As machetes dos jornais são incapazes de nominar a "mulher arrastada", quando se chama Cláudia da Silva Ferreira, quanto mais falar mais do que aquilo que seja conveniente sobre Venezuela, Argentina e Bolívia, por exemplo.
O certo é que, a despeito da ignorância da maioria de nós sobre a história Latino-Americana, há quem saiba de nós e há quem pretenda saber. Outro dia, quando disse a um norte-americano que eu sou de Belém do Pará, ele me perguntou certeiro: ah, perto das Guianas e Suriname, não é? Por outro lado, nenhum dos portenhos sabe o que é a região Norte do Brasil; sabem talvez tanto quanto muitos dos próprios brasileiros. No máximo, mais ou menos onde está a Bahia. E é daí pra baixo do país.
Pra completar minha angústia e surpresa, dou de cara com um
artigo publicado pelo jornal espanhol El País, em que o jornalista diz o que eu considero barbaridades sobre o Brasil. Juan Arias tem a coragem de afirmar que o “Brasil está bem curado das feridas da ditadura militar e hoje os quartéis não assustam ninguém”. Só eu que pasmo com uma declaração desta? As pérolas são muitas e deste nível pra pior. Querem outra?
“Desde que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso colocou o Ministério do Exército nas mãos de um civil, as Forças Armadas passaram a ser no país uma instituição democrática como as outras. Não existem no Brasil ruídos de sabres”.
E quando ele louva nossos três poderes? Uma beleza! Executivo, Legislativo e Judiciário numa perfeita sintonia. Bem de fato estão, mas para nossa desgraça, não para o bem geral da nação canarinho. "Pena" que escreveu em parágrafo distante sobre a liberdade de imprensa que temos, porque, afinal não existem
os donos da mídia no país a Copa de 2014.
Será uma escola? A mesma do Diogo Mainardi? Como se diz tudo isso impunemente? Como se diz isso à revelia de tantos protestos contra todo tipo de violações aos direitos humanos no país? Ainda que estejamos em outro contexto, que não mais o de uma ditadura militar e que, sim, podemos reconhecer alguns avanços – forçados pela sociedade civil organizada - na direção de uma sociedade menos desigual e menos injusta – não vivemos nesse país das maravilhas que este senhor articulista pretende difundir como verdade.
Ah! Já falei demais. Já estou estribuchando. Já é praticamente quase a bem dizer um pedido de socorro, nobres leitores.