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A voz das ruas invade o Supremo questionam a postura do ministro Joaquim Barbosa, ao interpelar o presidente Gilmar Mendes, alegando que os julgadores não poderiam “sair à rua”, nem ouvir “a voz do povo” em suas decisões judiciais.
Esclareço que o que se defende não é, absolutamente, tomar decisões ouvindo “a voz das ruas”. Esta interpretação – paquidérmica, eu diria – pretende relacionar a crítica de Barbosa a Mendes com uma eventual aplicação do “Direito Achado na Rua”, vertente de pesquisa da Escola de Direito Alternativo capitaneada pelo saudoso Roberto Lyra Filho.
Entretanto, o que é necessário entender – e Mendes e a grande imprensa que o defende sabem disso, mas obviamente nublam o entendimento deste aspecto – é que o presidente do Supremo, com sua postura, rompe com a necessidade de um Judiciário que seja o último refúgio do Estado de Direito e, como corolário, da democracia saudável.
Não se pretende que o Supremo ouça a voz das ruas em suas decisões técnicas, ainda que, na aplicação da lei, o julgador tenha que atender aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum, na dicção do art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil.
O caso, na verdade, circunscreve-se à atuação política mesmo do
Supremo Presidente. Seu cargo lhe exige, além da atuação judicial, postura política; é ele presidente de um Poder. É neste sentido que, indo à mídia e arrotando arrogância, Gilmar Mendes não pode se arvorar a emitir opiniões sobre tudo que lhe vem à cabeça. E, para os que gostam de magistrados circunscritos a falar nos autos, é pior saber que o ministro-presidente também fala (ou talvez fale
principalmente) sobre assuntos que acabarão no próprio Supremo Tribunal Federal, em julgamentos que ele presidirá e nos quais eventualmente votará.
Não bastasse isto, é interessante notar como o cerco se torna cada vez mais explícito: Protógenes Queiroz, que presidiu o inquérito que redundou na Operação Satiagraha e cujas consequências todos conhecem, sofreu tanta pressão que acabou afastado das investigações sobre
Daniel Dantas; Paulo Lacerda, sob cuja superintendência a Polícia Federal começou a investigar o Banco Opportunity, foi
exilado para Portugal, sob pressão do próprio Gilmar Mendes, que
chamou o presidente Lula às falas no episódio do grampo-fantasma em seu gabinete; a Confederação Nacional da Agricultura, liderada pela senadora Kátia Abreu e com o aval de vários outros senadores, ostensiva ou tacitamente, defende as terras de Dantas no Pará, a pretexto de exigir o cumprimento de medidas judiciais; Mendes, chamando Lula mais uma vez
às falas, obtém a adesão formal do Executivo e do Legislativo ao seu projeto de manietar a PF; e, agora, desconfia-se que o Supremo tenha mandado uma
observadora (ou
interlocutora) à CPI dos Grampos – com que propósito, ainda não se sabe.
Foi sobre esta atuação que Joaquim Barbosa falou. É no exercício deste papel que Gilmar Mendes destrói a credibilidade do Judiciário.
Saiam à rua, meus caros, e vejam o descontentamento da população para com Mendes. Não se está falando de autos – ainda que algo do que Mendes faz se revele em processos judiciais –, mas justamente do que Mendes tem feito fora deles.